Entrevista com o Pe. Antonio Robson Gonçalves, MSJ, Vigário-geral da Diocese e Vigário Judicial, sobre nulidade matrimonial
O que é e qual a atuação do Tribunal Eclesiástico?
O Tribunal Eclesiástico é um órgão judiciário, para decisão em primeira instância, de todas as causas judiciais que não sejam reservadas a órgãos especiais. Por direito, na diocese, o Bispo é o juiz de primeira instância, que pode exercer este poder pessoalmente ou por delegação (cânon 1419). Em geral, o Bispo delega este poder a um Vigário Judicial e nomeia juízes eclesiásticos. O Vigário Judicial, em união com o Bispo, forma com os demais Juízes o Tribunal Eclesiástico de primeira instância (cânon 1420). Os Tribunais Eclesiásticos podem julgar todas as causas jurídicas não reservadas diretamente ao Romano Pontífice (c. 1419, § 1º), por exemplo, reservadas ao Papa aquelas relativas ao privilégio da fé, beatificação e canonização dos servos de Deus, à nulidade do sacramento da ordem. Em geral, as causas julgadas nos Tribunais Diocesanos se referem à separação dos cônjuges, declaração de nulidade matrimonial, imposição de excomunhão, delitos praticados por clérigos. Salvo exceções estabelecidas na vigente legislação canônica, o Tribunal sempre atuará colegialmente, ou seja, em turnos de três juízes. Para a instrução das causas, o Tribunal possui ainda um corpo auxiliar formado de juízes auditores e notários, nomeados pelo Bispo Diocesano e que atuam na oitiva das partes e testemunhas de modo a oferecer ao Turno Judicante, o material necessário à formação da certeza moral em base à qual se decidirá o pleito. O Vigário Judicial da Diocese de Mogi das Cruzes é o Presidente do Tribunal Eclesiástico Diocesano, ou seja, que atende somente as cidades que compõem a Diocese de Mogi das Cruzes, e atua sempre colegialmente, num turno de 03 (três) juízes. Estes juízes, via de regra, são sacerdotes, porém o Código de Direito Canônico permite às Conferências Episcopais a nomeação de juízes leigos (cânon 1421, §2).
Quem poderá ter acesso a ele?
Todos os fiéis que residem na Diocese de Mogi das Cruzes, ou seja, dentro do âmbito da nossa circunscrição eclesiástica tem direito de entrar com um processo no nosso Tribunal. Fiéis, também, que se casaram em nossa Diocese e, atualmente, residem em outra região, e quiserem entrar com nulidades matrimoniais poderão entrar aqui também com a análise da sua nulidade.
Como esse acesso é feito (procedimentos e custos)?
A pessoa que vai propor uma causa de nulidade matrimonial tem que escrever a história da sua vida matrimonial, como foi a preparação do seu casamento, o noivado, o matrimônio e a vida matrimonial. A Igreja analisa se o casamento foi válido ou nulo. Tudo isso demorará no mínimo seis meses. Os custos, no Tribunal de Mogi, serão de três salários mínimos, deixando claro se houver recurso à custa do Tribunal de São Paulo correm por lá.
Em quais circunstâncias, é possível entrar com o processo de nulidade matrimonial?
As causas que podem tornar inválido o contrato matrimonial são de três espécies: 1) presença de impedimentos; 2) defeitos no consentimento; 3) falta de forma canônica. Os impedimentos são obstáculos que impossibilitam contrair o matrimônio validamente e a Igreja como tais os configura para evitar que possam ocorrer matrimônios inconvenientes ou prejudiciais. O Código de Direito Canônico, promulgado em 1983, estabelece 12 impedimentos dirimentes: a) Idade: os rapazes não podem se casar validamente antes dos 16 anos completos nem as moças antes dos 14 anos completos. Embora a legislação civil brasileira exija dois anos a mais e a CNBB tenha decretado o mesmo acréscimo, isso diz respeito apenas à licença ao ato de casar; b) Impotência: a relação sexual realizada de modo humano é considerada pela legislação como consumação daquilo que se prometeu no ato do casamento. Por isso, as pessoas que são incapazes de ter uma relação sexual autêntica não podem se casar validamente (Cân. 1084). Não basta a esterilidade e a impotência devem ser anteriores ao matrimônio e perpétuas. c) Vínculo: A Igreja Católica afirma e sempre afirmou que o matrimônio é indissolúvel. Por isso, se alguém está validamente casado e realizasse uma cerimônia de casamento com outra pessoa, essa cerimônia não teria nenhum valor (Cân. 1095). d) Disparidade de Culto: entre um católico e uma pessoa não batizada (por exemplo, um judeu ou um muçulmano) existe uma diferença tão grande de religião que dificilmente vão conseguir realizar uma comunhão de vida plena. Por isso, o matrimônio entre eles está proibido, sob pena de nulidade (Cân. 1086), precisando ser dispensado pelo Bispo para a validade do casamento, caso se derem as garantias exigidas. e) Ordem Sagrada: os que receberam o sacramento da ordem, ou seja, os diáconos, os presbíteros e os bispos não podem casar validamente (C. 1087). No caso dos diáconos casados, porém, permite-se que alguém, previamente casado, seja ordenado diácono e atue como tal. f) Profissão religiosa perpétua: os religiosos, ou seja, os membros de certas instituições que têm gênero de vida especial aprovado pela Igreja, fazem voto de castidade, pobreza e obediência. Isto se chama profissão religiosa (freiras, por exemplo). Quando é feita de modo perpétuo ou definitivo, torna nula qualquer tentativa de matrimônio (Cân. 1088). g) Rapto: Uma mulher conduzida ou retida à força não pode casar validamente com quem está exercitando essa violência contra ela enquanto não for posta em liberdade em lugar seguro. h) Crime: A fim de proteger a vida do marido ou da mulher traídos, a Igreja declara que os que matam seu cônjuge para facilitar um matrimônio posterior ficam impedidos de realizar validamente este casamento. E, também, se um homem ou mulher, em comum acordo, matam o esposo ou a esposa de um deles, não podem casar-se entre si (Cân 1090). A dispensa está reservada à Santa Sé. i) Consanguinidade: A legislação canônica atual estabelece que este impedimento atinge todos os antecedentes e descendentes (ou seja, pai com filha, avô com neta) e, também, até o quarto grau na linha colateral, ou seja, primos legítimos ou primos primeiros entre si (Cân. 1091). j) Afinidade: Em razão deste impedimento, um viúvo ou viúva não podem casar legitimamente com os respectivos: sogra(a), enteada(o) ou ascendentes e descendentes destes. (Cân. 1092). k) Honestidade pública: afeta a quem está vivendo uma união não legalizada pela Igreja e torna inválido o casamento com os filhos ou pais do(a) parceiro(a). (Cân 1093). l) Parentesco legal: Não está permitido o casamento entre o adotante e o adotado ou entre um destes e os parentes próximos do outro (Cân. 1094). Os defeitos de consentimentos mais comuns são: 1o – Da parte do intelecto: a) defeito da mente: - falta de uso da razão: débeis mentais, os que sofrem de algum transtorno quando vão prestar consentimento (Cân 1095 § 1); - imaturidade psicológica: grave defeito de discrição de juízo que tira a responsabilidade e a ponderação suficiente para se casar (Cân. 1095 § 2); - incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio: pode acontecer nos casos de alcoolismo, toxicomania, homossexualismo e outras anomalia (Cân. 1095§ 3). b) Ignorância: carência de ciência mínima necessária para o casamento (Cân. 1096); c) Erro: de fato, sobre a identidade da pessoa com quem se casa (Cân 1097§ 1) - Sobre certas qualidades da pessoa com quem se casa (Cân 1097§ 2); - Maliciosamente provocado, doloso (Cân. 1098); - De direito: Sobre as propriedades do matrimônio. 2o – Da parte da vontade; a) Simulação - Total: Quando se finge o consentimento com a rejeição do casamento (Cân. 1101 § 2); - Parcial: Quando exclui propriedade ou elemento essencial do contrato matrimonial (Cân. 1101 § 2). b) Medo: casar sob pressão, medo grave externo, torna nulo o casamento quando é indeclinável (Cân. 1103); c) Condição: por uma condição sem a qual não valerá o consentimento, em caso de não cumprimento é inválido o casamento. Precisa de licença escrita do Bispo (Cân. 1102). A falta de forma canônica habitualmente acontece quando se celebra perante um assistente que não tem jurisdição sob os nubentes e não recebe a oportuna delegação; por falta das duas testemunhas exigidas ou por alteração substancial de fórmula ritual do matrimônio.
Quanto tempo leva, em média, e o que é levado em consideração?
A Igreja tem sempre muito cuidado com as normas de funcionamento de seus tribunais. Por isso, a segurança jurídica pede que se tutele e se garanta os direitos dos fiéis. Com eficácia sim, mas sem apavoramentos. Por isso, no mínimo uma causa de nulidade demanda seis meses, sendo que isso é quando a Parte Demandante, que propõe a parte como autora colabora, e a Parte Demandada, a que responde o processo, comparece em todos os atos processuais. Assim, agindo com prudência, no mínimo seis meses. .
Como a pessoa deve proceder para dar entrada em um processo?
Quando um casal quer decretar o seu casamento nulo, deverá procurar o seu pároco, em primeiro lugar, para que ele ajude, na sua paróquia, ao demandante fazer o libelo, para depois o Demandante protocola a sua causa no Tribunal. Caberá ao Vigário Judicial, no caso a minha pessoa, aceitar o Libelo e iniciar o processo chamando a Parte Demandada para contestar a causa.