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Palavra do Bispo | Homilia - 01/02/2022

Homilia - 01/02/2022

Missa de abertura do ano letivo da Faculdade Paulo VI – 1º.02.2022

 

Estamos celebrando a Missa de abertura do ano letivo de 2022 da Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI. Saúdo a todos: o corpo docente e o corpo discente de nossa Faculdade, os funcionários, e os superiores presentes e representados dos nossos alunos: a todos, PAZ E BEM!

 

Gostaria de meditar, a partir do Evangelho de hoje, sobre o estudo da Teologia. A Teologia católica fundamenta-se no anúncio de Jesus Cristo que é a revelação do amor de Deus pela humanidade. E o amor de Deus, na Sagrada Escritura, muitas vezes aparece representado pelo amor esponsal: Deus é o esposo e o Povo é a sua esposa. Esta tipologia esponsal aparece pela primeira vez no profeta Oséias, e terá seu vértice no evento pascal, visto que, por ocasião da morte e ressurreição de Jesus Cristo, as mulheres que estão ao pé da cruz serão, três dias depois, as primeiras testemunhas da ressurreição. É a nova Aliança em Jesus Cristo, celebrada no altar da Cruz e confirmada com a sua ressurreição.

 

A Igreja, por quem Cristo deu sua vida, e de quem Ele é o esposo, é representada pelas mulheres (cf. Ef 5, 21-33; esp. v. 25-26). Assim, as mulheres que seguem o Senhor e que foram testemunhas de sua morte e ressurreição representam o Povo fiel da Nova Aliança, isto é, a Igreja. E a partir do evento pascal, a Igreja se projeta no tempo da História, até a volta do Senhor. Neste grande intervalo entre as duas vindas de Cristo, a Igreja é chamada a testemunhar – por palavras e obras – o amor misericordioso de Cristo, que é o amor de Deus por toda a humanidade, revelado especialmente no evento pascal.

 

Esta tipologia esponsal da Igreja aparece duas vezes no Evangelho de hoje, que descreveu a presença de duas mulheres doentes: a que sofria de hemorragia e a filha de Jairo, chefe da sinagoga. A figura frágil e doente das duas mulheres representa o sofrimento do povo fragilizado e humilhado. Mas elas representam também o sofrimento do povo que padece as consequências do pecado toda vez que rompe a Aliança. Nessas situações, os profetas do Antigo Testamento (Jeremias por exemplo) anunciavam que Deus selaria uma Nova Aliança (Jr 31, 31-34; Hb 8, 8ss; 10, 16; cf. Ez 37, 26) e exortavam o povo à conversão e a recobrar passo a passo a coragem e o ânimo. A hemorroísa, mesmo depois de curada, diante da interpelação de Jesus: “quem tocou minha roupa”, ainda sente medo (v. 33), até ouvir da boca do Mestre: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada desta doença” (v. 34). A mesma mensagem se percebe na fala que Jesus dirigiu a Jairo: “Não tenhas medo. Basta ter fé” (v. 36). A dialética entre o medo e a fé aparece nos relatos pascais, num dos quais o Ressuscitado brada: “Não temais! Ide anunciar ...” (cf. Mt 28, 10; par.).

 

Portanto, estas duas mulheres miraculadas representam o Povo que, com fé, acolhe a Nova Aliança. Curadas, representam o Novo Povo de Deus, que é a Igreja, que acolhe o Cristo, que consumou as núpcias da Nova Aliança. A hemorroíssa, ao correr para tocar a veste de Jesus, prefigura a esposa que se apressa em preparar as vestes para as núpcias do Cordeiro.

 

À filha de Jairo, de 12 anos, Jesus ordena: “Menina, levanta-te!”. Ela levantou-se (anhsth - RESSUSCITOU) e começou a andar. E Jesus mandou dar de comer à menina. É o prenúncio do banquete festivo das núpcias do Cordeiro. Os elementos da narrativa apresentam acontecimentos grandiosos, eivados de simbolismo e de rico significado teológico. Exemplo disso é a incidência do número 12. Doze é a idade da menina e doze são os anos que a hemorroísa sofreu. O Antigo Israel é fundado sobre suas 12 tribos, a partir das quais se vislumbra a imagem da Nova Jerusalém, a Igreja de Cristo, cuja fé é edificada em fundamentos sólidos e colunas resistentes, que são os Doze Apóstolos do Cordeiro.

 

Portanto, a partir do milagre que foi narrado e do brado pascal de Cristo, temos a transição do Antigo para o Novo Testamento, e a Igreja como prefiguração do Novo Povo de Deus.

 

Santo Irineu, considerado o primeiro teólogo sistemático – e que no mês de janeiro foi proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Francisco – tem, dentre outros, o mérito de ter defendido a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento. De fato, os gnósticos negavam o Antigo Testamento. E Santo Irineu demonstra, a partir da unidade dos dois Testamentos, que Jesus Cristo cumpriu as promessas contidas no Antigo Testamento. A fé é a base da reflexão teológica. A Bíblia é o livro da fé e contém em si a dialética entre o Antigo e o Novo Testamento, delineada, no Evangelho de hoje, na figura destas duas mulheres curadas por Jesus. A Teologia é chamada a extrair a riqueza da Revelação a partir desta dialética. Unidos e articulados, Antigo e o Novo Testamento testemunham a única e definitiva Revelação de Deus.

 

Filosofia e Teologia são duas ciências interligadas, seja na investigação acerca da verdade, seja no serviço à Evangelização. Os que estudam teologia precisam de uma boa base filosófica para refletir sobre a Revelação de Deus, cujo vértice está na encarnação de Jesus Cristo. Os que estudam filosofia, através da Teodiceia, refletirão sobre Deus em princípios racionais. A Revelação está fixada na Escritura e na Tradição, ambas intimamente implicadas (DV 9-10). A Teologia é também um exercício da razão humana que, contudo, não poderá desconhecer a dimensão do mistério sobre o qual se reflete, de forma que o exercício racional da Teologia, longe de deturpar a mensagem revelada de Deus, permite que a verdade de Deus seja cada dia mais aprofundada.

 

Sobre a questão da verdade, cabe aqui uma afirmação de São Paulo VI: “a hora que soa no quadrante da história exige, efetivamente, de todos os filhos da Igreja uma grande coragem e, de modo muito especial, a coragem da verdade” (PAPA PAULO VI, Audiência Geral, Quarta-feira, 20 de Maio de 1970). E, segundo São Paulo VI, “este dever, o de professar corajosamente a verdade, é tão importante, que o próprio Senhor o definiu como a finalidade da sua vinda a este mundo: « Para isto nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade » (Jo 18, 37). Jesus é a luz do mundo (cfr. Jo 8, 12), é a manifestação da verdade; e, para cumprir esta missão, que dá origem à nossa salvação, Ele ofereceu a própria vida, mártir da verdade que, afinal, é Ele mesmo”.

 

A questão da verdade, diz o Papa, “abrange a consciência, os factos, a história, a ciência, a cultura, a filosofia, a teologia e a fé. A nós, porém, interessa-nos este último ponto: a verdade da fé, porque é sobre ela que se funda todo o edifício da Igreja, do cristianismo e, por isso, o da nossa salvação e, consequentemente, o do destino do ser humano e da civilização. Hoje, mais do que nunca, esta verdade da fé apresenta-se como a base fundamental sobre a qual devemos construir a nossa vida. É a pedra angular” (cfr. 1 Pdr 2, 6-7; Ef 2, 20; Mt 21, 42).

 

Há um caminho que conduz o cristão da verdade de Jesus à verdade da Igreja, da missão de Jesus à missão da Igreja. E o Evangelho desta missa nos ilumina a: (1) aprofundar o evento pascal, para que sermos, na Igreja, testemunhas da salvação em Jesus Cristo, em meio ao relativismo e ao indiferentismo do mundo secularizado; (2) refletir os conteúdos da fé, tornando-os anúncio – Kerygma – que toca os corações, especialmente os corações chagados do tempo presente, corações contritos representados pelas duas mulheres doentes que foram curadas e reerguidas por Cristo; (3) exercitar um serviço eclesial e apostólico, embasado numa teologia que se traduza em serviço inserido na Igreja, em serviço à própria Igreja e em serviço da transformação do mundo.

 

Tenhamos em mente a grande aspiração do Papa Francisco que é a “sinodalidade”, em vista do Sínodo de 2023, através da qual o Papa Francisco quer despertar a consciência da corresponsabilidade de todos os batizados, membros do Corpo de Cristo, para que caminhem juntos na construção do Reino de Deus. Que toda reflexão filosófica e teológica realizada aqui na Faculdade Paulo VI tenha um caráter sinodal que ajude a esboçar respostas cristãs às aspirações de todos os seres humanos.

 

Com a intercessão de Sant’Ana, nossa padroeira, neste ano do jubileu de 60 anos da criação e instalação da Diocese de Mogi das Cruzes, e com a intercessão de São Paulo VI, patrono da nossa Faculdade, auguro a todos um profícuo ano acadêmico. E que Deus nos abençoe!

 

 

Dom Pedro Luiz Stringhini

Mogi das Cruzes, 01 de fevereiro de 2022