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Palavra do Bispo | CF 2023

CF 2023

A Campanha da Fraternidade 2023 traz o tema Fraternidade e Fome e o lema Dai-lhes vós mesmos de comer! (Mt 14,16). É a Campanha em sua edição nº 60 (sexagésima edição). E a terceira edição que reflete o tema da fome: CF 1975: Repartir o Pão; CF 1985: Pão para quem tem fome.

 

A caridade na Igreja. Dar de comer a quem tem fome é a primeira das obras de misericórdia, citadas no capítulo 25 do evangelho de Mateus. As seguintes são: saciar a sede, vestir os nus, cuidar dos doentes, visitar os presos e acolher os refugiados. A caridade na Igreja é fundamental, pois a caridade é o distintivo do cristão (cf. texto base n. 159).

 

Saciar a fome é a primeira ação de caridade dos cristãos e de toda a Igreja, no nível pessoal (n. 166), no nível eclesial (comunitário, paroquial e diocesano) (n. 167), no nível social, falando aqui da sociedade civil e dos governos (168). O texto base cita como exemplos de ação na Igreja: as Conferências dos Vicentinos (Sociedade São Vicente de Paulo – SSVP), a Pastoral da Criança, a Cáritas, etc ...

 

A caridade na Igreja é exercida em três níveis: assistencial, promocional e sociopolítico (transformador). Lembrando as palavras de Dom Hélder Câmara, pode-se dizer: dar pão para o pobre, perguntar por que o pobre não tem pão e organizar os pobres para eles conquistarem o pão. [Ou, como se diz popularmente: dar o peixe (“quem tem fome, tem pressa”: Betinho); ensinar a pescar e despoluir o rio (mudar as estruturas, criando políticas públicas de Estado)]. O acesso ao alimento é um direito mais que um favor a receber. Promover a dignidade da pessoa humana é devolver-lhe “a capacidade de ganhar o pão com o suor do seu rosto” (n. 160).

 

Há 20 anos (em 2002), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sob a liderança de Dom Luciano Mendes de Almeida, lançou o Mutirão de Superação da Miséria e da Fome, tendo como base o Documento 69 – Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome, “Alimento, dom de Deus, direito de todos” (2002).

 

O Doc 69 já afirmava que “temos recursos e tecnologia para vencer a fome. Falta-nos o espírito solidário e evangélico para renunciar a privilégios e libertar-nos do vírus do egoísmo. Falta-nos, ainda, decisão política” (Doc 69 n. 9). O documento afirma ainda “serem a fome e a desnutrição a dimensão mais pungente e visível da miséria” (Doc 69 n. 10).

 

Raízes da fome. O documento Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome, no n. 13, fala das raízes da fome. E o texto base da CF cita (no n. 54) este parágrafo, afirmando que “as raízes da fome estão, especialmente, na distribuição iníqua da renda e das riquezas, que se concentram nas mãos de poucos, deixando na pobreza enormes contingentes populacionais nas periferias urbanas e nas áreas rurais” (e nas áreas de risco, podemos completar). Afirma que “o crescimento econômico do Brasil sempre aumenta a riqueza dos ricos, sem estender seus benefícios a quem não tem poder no mercado. A desregulamentação e flexibilização dos mercados vêm retirando do Estado sua função social e política, em prejuízo de seu dever de justa intervenção na economia e na redistribuição da renda”.  

 

Parcerias. O texto base ressalta a necessidade de parcerias: Igreja, Governo e entidades da sociedade civil (terceiro setor). Desse modo, seguido ao Mutirão da CNBB, em 2002, o Governo federal lançou, em 2003, o Programa “Fome Zero” que se expandiu através do Programa “Bolsa Família” e, passo a passo, o Brasil foi deixando de figurar no mapa da fome, para infelizmente voltar, nos últimos anos, com um contingente de milhões de famintos.

 

Naquele tempo (vinte anos atrás), foi implementado também o Programa de construção de um milhão de cisternas, no Nordeste, para captação de águas das chuvas, levando água às famílias do semi-árido e respondendo à necessidade básica e ao direito humano fundamental de acesso à água. Esta iniciativa foi uma parceria entre a Cáritas Nacional e a Agência Nacional das Águas (ANA).

 

Esforço conjunto. As parcerias representam um esforço conjunto para implementar ações conjugadas e articuladas entre a Igreja, os órgãos governamentais, nos três níveis de Governo (municipal, estadual e federal), os movimentos sociais, e o terceiro setor, com suas Organizações Não Governamentais (ONGs). Destacam-se: a Economia solidária (n. 103-105); a Economia de Comunhão (106-108); a Economia de Francisco (109-111), que é uma iniciativa do Papa Francisco para envolver os jovens de até 35 anos, as cozinhas solidárias, hortas comunitárias, a agricultura familiar e tantos outros projetos.

 

Transversalidade é outro aspecto a ser considerado: a fome é um problema pontual cuja solução requer metas claras e políticas públicas abrangentes. Requer transversalidade, considerando que, para a superação da fome, para além da distribuição do alimento, há a necessidade (e urgência) de valorizar o salário mínimo, promover emprego, redistribuir a renda e a terra (texto-base n. 51). [Haja vista a reativação do ministério do desenvolvimento agrário e agricultura familiar].

 

Preservação ambiental é outro requisito, na linha da abrangência e transversalidade, ou seja, a superação da fome passa pela preservação ambiental, isto é, o cuidado com a Casa Comum. Lamentavelmente, “dilapidam-se os recursos naturais e aceleram-se a erosão, a degradação ou a desertificação dos solos” (n. 87). E a consequência são catástrofes e mortes (como se assiste nesses dias no Litoral Norte Paulista).

 

Outros desafios: evitar o uso excessivo de agrotóxicos (defensivos agrícolas / pesticidas) que contaminam as nascentes (n. 88) e mananciais; proporcionar educação para a cidadania, que gera mudanças de hábito, evitando a “cultura do descarte e do desperdício” (n. 89); “valorização dos povos originários, tradicionais e do campo e de seus saberes comunitários agroecológicos” (n. 90); promover a “educação alimentar e alimentação saudável nas escolas e universidades” (n. 91), valorizando o “Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE” (n. 92).

 

Tempo de conversão. A quaresma é um tempo propício para reflexão, oração e conversão e, portanto, tempo favorável para criar relações humanas cada vez mais solidárias (n. 86), substituindo a lógica da indiferença pela lógica da fraternidade.

 

Dai-lhes vós mesmos de comer! Esta é a ordem de Jesus aos discípulos, por ocasião do milagre da multiplicação dos pães. Os discípulos queriam despedir a multidão para que cada um fosse, por conta própria, providenciar o que comer. Jesus ensina que a fome é problema de todos e que a solução tem que ser comunitária, de todos para todos, em fraternidade. O evangelho narra que, na ocasião, Jesus, vendo uma grande multidão, que o seguia a pé, foi tomado de compaixão (cf. Mt 14,13-14). Compaixão e misericórdia, atributos do coração de Deus, são igualmente os sentimentos do cristão que nunca poderia ser indiferente à fome, ao sofrimento e à dor dos irmãos/as. O pouco que se reparte (cinco pães e dois peixes) multiplica-se miraculosa e abundantemente, de modo que “todos comeram e ficaram saciados” (Mt 14,20).

 

Que o espírito da Quaresma seja vivificado pela Campanha da Fraternidade e que esta consiga atingir seu objetivo: “sensibilizar a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de irmãos/as, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo”.

 

 

Dom Pedro Luiz Stringhini

Mogi das Cruzes, 22 de fevereiro de 2023