1. A Campanha da Fraternidade (CF), em 2017, realiza a sua 54ª edição. A Igreja no Brasil, através da campanha da fraternidade, se propõe a lançar um olhar sensível e atento, por parte dos cristãos e de pessoas de boa vontade, para os graves e urgentes problemas sociais que afetam a vida das pessoas, das famílias e de toda a sociedade, especialmente os pobres.
É uma campanha para “ajudar a construir uma cultura de fraternidade, apontando os princípios de justiça, denunciando ameaças e violações da dignidade e dos direitos, abrindo caminhos de solidariedade” (texto base, n. 19), no desafio de se construir uma sociedade alicerçada na justiça e na paz.
2. Histórico. Nesses 54 anos, inicialmente a CF teve um enfoque eclesial (1964-1972), buscando a renovação interna da Igreja. Depois, passou a abordar temas da realidade social (família, trabalho, saúde, educação, violência), situações existenciais da vida do povo brasileiro, em especial dos grupos sociais vulneráveis (menor, negro, indígenas, mulher, juventude, idosos, encarcerados) e assuntos relacionados à ecologia e meio ambiente.
A Campanha da Fraternidade, em 2017, traz como tema Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida e o lema: ‘Cultivar e guardar a criação’ (Gn 2,15). Com essa edição, já somam, desde 1979, oito campanhas sobre ecologia e meio ambiente, com os temas: preserve o que é de todos, terra, povos indígenas, água, Amazônia, a vida no Planeta, saneamento básico e biomas brasileiros.
As campanhas de cunho ecológico buscam fortalecer, à luz da fé, o empenho pela implantação de políticas públicas que garantam a integridade e o futuro da casa comum, o Planeta Terra. E também suscitar na sociedade atitudes responsáveis de defesa da vida humana e sua dignidade.
O método de reflexão é o Ver-Julgar-Agir. Inicia-se com um estudo e análise da realidade (ver), analisa-se a realidade com critérios bíblicos (julgar), e, a partir daí, os cidadãos são chamados a assumir compromissos (agir), por meio de atitudes individuais e iniciativas de cunho comunitário.
3. A Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, “evoca a natureza como fonte da vida”. O texto bíblico afirma que “Javé Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2,15), dando-lhe, porém, um mandamento: “podes comer de todas as árvores do jardim, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comerdes terás que morrer” (Gn 2,16-17).
De fato, havia no jardim “toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal” (2,9). E o ser humano pecou; não contentou-se em comer da árvore da vida. O pecado original é, pois, o desejo idólatra de ter domínio ilimitado sobre o jardim, isto é, sobre a natureza. Tal direito não pode ser irrestrito por questão de sobrevivência do cosmo.
O pecado contra a natureza é não contentar-se em usufruir da natureza para o sustento individual e para a justiça coletiva; o pecado é comer da árvore proibida, do conhecimento do bem e do mal, de abusar da natureza em vista do lucro, depredando-a, destruindo os biomas.
4. O que é um Bioma? É um conjunto de vida vegetal e animal com condições de clima semelhantes, que resultam em diversidade biológica própria. É a vida presente nos mais variados elementos (vegetais, animais, constituição geológica, clima). Assim, no Brasil, “um bioma é formado por todos os seres vivos de uma determinada região, cuja vegetação é similar e contínua, cujo clima é mais ou menos uniforme, e cuja formação tem uma história comum. O Brasil conta com seis biomas: Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga e Pampa” (n. 5).
5. O bioma Mata Atlântica, predominante na Região do Alto Tietê, conta com a presença de povos originários e tradicionais grupos humanos que integram os manguezais. Suas culturas estão em sintonia com a fauna e flora. São as populações praieiras, quilombolas, remanescentes indígenas, os ‘caiçaras’, pescadores, ribeirinhos, além da imensa concentração populacional urbana. Existe uma consciência ecológica resultante de valores ancestrais de matriz africana e indígena harmonizada pelo e com o catolicismo popular (cf. n. 130-132).
6. Fatores de destruição. A Mata Atlântica e também os outros biomas sofrem diversas interferências, e degradação, como a ocupação desordenada, a poluição e falta de saneamento básico, principalmente nos conglomerados urbanos; as monoculturas, como a cana-de-açúcar e eucalipto, o assoreamento dos rios, desmatamentos, lixões (ausência de coleta seletiva do material reciclável), etc.
“Entre as interferências no processo cultural do bioma Mata Atlântica, estão as empresas nacionais e transnacionais cingidas ao setor de produção de papel e celulose” (n. 133). Além das mineradoras e as construções de hidrelétricas (n. 134) e “a grande parcela do que resta de Mata Atlântica que está na mão de proprietários particulares” (n. 135). Em resumo, a “falta de consciência ecológica na população, a omissão e a conivência do poder público e a ganância capitalista” têm provocado a degradação do meio ambiente (n. 141).
7. Agir. É preciso dar “respostas individuais e coletivas” (n. 277), tanto por parte da sociedade civil como, principalmente, por parte dos órgãos governamentais, responsáveis pelo controle e pela implantação de políticas públicas eficazes. É preciso uma regulamentação que estabeleça regras e limites para a agro-pecuária e o agro-negócio; e ao mesmo tempo oferecer real apoio à agricultura familiar.
A CF apresenta objetivos específicos, quais sejam os de aprofundar o conhecimento de cada bioma e suas belezas, preservar a biodiversidade, os solos, as águas e as paisagens, contribuir para a construção de um novo paradigma econômico ecológico (cf. n. 10). A educação ambiental trará sensibilidade, conscientização e a responsabilidade no que se refere a uma concepção mais esclarecida a acerca do crescimento e do progresso.
Propõe algumas ações mais contundentes: recuperar as áreas degradadas, implantar políticas de saneamento básico, despoluição e revitalização da bacia hidrográfica do Alto Tietê, cuidar das nascentes e dos rios, efetivar o plano diretor nos municípios, denunciar os projetos econômicos imobiliários em Áreas de Preservação Permanente – APP (n. 278).
A Igreja no Brasil, que vem mostrando sensibilidade para com o problema ambiental, sente-se ainda mais encorajada desde a publicação da encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco. “A proposta ecológica do Papa é integral, entrelaçando todas as dimensões do ser humano com a natureza. Para ele, cada criatura tem sua mensagem, que precisa ser respeitada e entendida. Mas todas elas estão interligadas” (n. 8).
A CF propõe, cada ano, uma meta ousada a ser atingida com coragem, esperança e confiança de que é possível mudar os rumos e as mentalidades. E a defesa da vida, em todos os seus aspectos, norteará sempre a missão da Igreja.
Dom Pedro Luiz Stringhini
Mogi das Cruzes, 1 de março de 2017