OS SACERDOTES NA IGREJA
A Igreja celebra, no dia 4 de agosto, a memória de São João Maria Vianney (1786-1859), o Cura D’Ars, patrono dos padres diocesanos. A celebração dessa memória faz com que esse dia seja chamado “Dia do Padre”. É, pois, um dia de oração pela saúde, as necessidades e a missão dos nossos padres, bem como de agradecimento e louvor a Deus Pai pelos padres que, em nome da Igreja, servem o povo de Deus nas comunidades.
É também um dia especial em que os padres agradecem a Deus o dom da vocação e a graça de pertencerem ao clero de uma diocese, como irmãos entre si, em comunhão com o bispo, a serviço do povo de Deus. Chamados de ‘padre’ porque é pai. Sacerdote porque é ministro do altar e das coisas sagradas da religião. Também presbítero, que significa ancião, aquele que guia, governa e dirige; que vai à frente, com experiência e inspiração, conduzindo os fiéis por caminhos seguros, testemunhando a verdade de Cristo para a vida do mundo, pastoreando e animando a comunidade.
São João Maria Vianney atraía multidões, na cidade de Ars, na França. As pessoas acorriam a ele para ouvir suas catequeses e receberem o perdão de Deus pelo sacramento da confissão. Sua santidade, simplicidade de vida e solicitude pastoral tornaram-no exemplo para os cristãos e modelo de sacerdote para os tempos de hoje. A memória do Santo Cura D’Ars e a Palavra de Deus ouvida ajudam a refletir sobre a pessoa e missão dos sacerdotes na Igreja.
A primeira leitura é do livro do Levítico, um livro sacerdotal por excelência, que apresenta o código das observâncias rituais referentes ao culto litúrgico judaico, com seus sacrifícios e seus sacerdotes. O capítulo 23, proclamado hoje, fala da instituição do calendário litúrgico de Israel, com a descrição das solenidades do Senhor: a festa da Páscoa do cordeiro imolado e dos pães ázimos, a oferta das primícias agrícolas feita aos sacerdotes em sinal de agradecimento ao criador, a festa das semanas ou das colheitas, o dia da expiação e a festa das tendas em memória do tempo do deserto.
Assim, desde o antigo testamento, a existência do santuário e do culto nele realizado e dirigido pelos sacerdotes revela a identidade de um povo constituído e solidificado na fé e na certeza de que Deus habita em seu meio. A glória do Senhor invade o santuário e a bênção de Deus desce sobre o povo. Depois do sacerdócio do Antigo Testamento, vem o de Jesus Cristo e o dos ministros ordenados, no grau do presbiterado, para o serviço à Igreja e ao povo de Deus. Jesus Cristo é sacerdote, profeta e pastor e, em decorrência, o presbítero da Igreja recebe igualmente esse tríplice múnus, isto é, o de santificar, ensinar e governar.
O múnus sacerdotal (a santificação) está ligado à celebração da liturgia, especialmente a Eucaristia, que é fonte e ápice da vida da Igreja. Conquanto todos os membros da Igreja sejam revestidos da mesma vocação à santidade, na adoção filial por parte de Deus, a partir do batismo, a cada um é dado, pela graça do Espírito Santo, carismas diferentes a serem desenvolvidos para o bem da comunidade. São as diversas e específicas vocações.
O sacerdote é escolhido diretamente por Deus, do meio do povo, conforme as palavras de Cristo: “Não fostes vós que me escolhestes; fui eu quem vos escolhi” (Jo 15,16). Chamado a colaborar com a obra da salvação, na edificação do Reino de Deus, anunciado por Cristo, o padre é aquele que fala de Deus ao coração do ser humano e leva ao coração de Deus as alegrias e esperanças da humanidade. Glorificando a Deus no serviço à Igreja, o padre vive com alegria o dom recebido no Sacramento da Ordem.
O sacerdote age in persona Christi, isto é, na Pessoa mesma de Cristo Ressuscitado, que faz com que a palavra e os gestos do ministro realizem de modo eficaz aquilo que ele por si só não poderia fazer: a consagração do pão e do vinho, que torna real a presença do Senhor, e a absolvição dos pecados, na confissão, fruto da misericórdia e compaixão de nosso Deus.
A missão profética está relacionada ao ministério da Palavra, por meio do qual ao mesmo tempo o ministro anuncia a boa notícia do Evangelho e denuncia o pecado do mundo presente no coração humano e nas estruturas injustas da sociedade. O evangelho proclamado (Mt 13,54-58) é ilustrativo pelo fato que, por um lado, Jesus ensinava e a multidão se admirava perguntando “de onde vem essa sabedoria e esses milagres”; por outro lado, outros, especialmente os que lhe eram mais próximos e conterrâneos, “ficaram escandalizados por causa dele”, ao ponto d’Ele dizer que “um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família!”.
O profeta, porta-voz de Deus, não deixa de dizer a verdade. Jesus se compadecia diante da multidão de sofredores, pobres, famintos, desorientados, mas era duro com os fariseus ao ponto de chamá-los de hipócritas, sepulcros caiados, raça de víboras. A Herodes chamou de raposa. Aos discípulos certa vez disse que, se quisessem, podiam também eles ir embora. Preveniu os discípulos de que “no mundo encontrareis perseguições, mas aquele que perseverar até o fim será salvo”. E recomendou: “Sede simples como as pombas e prudentes como as serpentes”. Corresponder ao chamado de Cristo supõe enfrentar desafios com prudência, simplicidade, alegria e constância na oração. “Exultai no Senhor, nossa força” (Salmo 80).
Cristo é o bom pastor. Conhece as ovelhas e as chama pelo nome; as ovelhas conhecem sua voz e o seguem; quer reuni-las todas num só rebanho; entrega sua vida por elas. Essa imagem define o ser e a missão do padre, chamado a ser pastor bondoso e zeloso, compassivo e misericordioso, atento e disponível, segundo o coração de Cristo bom pastor, no exercício da caridade pastoral, levando o rebanho à intimidade com Deus.
A grande e sublime missão do sacerdote, ele a realiza em profunda comunhão com Cristo e com a Igreja. São João Paulo II, na exortação apostólica sobre a formação dos sacerdotes, Pastores Dabo Vobis (Dar-vos-ei Pastores), em 1992, afirma: “É no interior do mistério da Igreja como comunhão trinitária em tensão missionária, que se revela a identidade cristã de cada um e, portanto, a específica identidade do sacerdote e do seu ministério. O presbítero, em virtude da consagração que recebe pelo sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ... para viver e atuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo” (PDV 12).
É, portanto, com os presbíteros que a Igreja conta, em primeiro lugar, para realizar sua missão. E a Igreja do Brasil, hoje, inspirada pelas diretrizes da ação evangelizadora, propõe, por meio dos bispos, que se instaure um processo de “iniciação à vida cristã” a partir de um “itinerário para formar discípulos missionários” (Doc. da CNBB 107). É um itinerário para viver em Cristo, um caminho que conduz a uma vivência cada vez mais autêntica na comunidade cristã e um encontro com o Senhor na vida em sociedade, na fraternidade cristã, na participação da liturgia e na missão eclesial (Doc. 107, n. 49).
A passagem do evangelho de João que narra o diálogo entre Jesus e a Samaritana apresenta “um encontro com Jesus que muda a própria vida e atinge outras vidas, porque quem descobre essa presença salvadora não a guarda para si. Vai levá-la a outros” (n. 13).
Rezemos pelos sacerdotes! A oração fervorosa da assembleia torna mais vigorosa a vivência da fraternidade presbiteral, fortalecendo, entre os presbíteros, o vínculo sagrado e profundo de unidade e comunhão eclesial. No presbitério, os sacerdotes encontram alento, consolo e alegria para perseverarem na missão de evangelizar, contando sempre com a presença materna da Virgem Maria, venerada no santuário de Aparecida como padroeira do Brasil e intercessora de graças abundantes e incontáveis, derramadas durante os trezentos anos que, em vibrante jubileu, neste ano se celebra.
Que a Igreja persevere em sua missão profética de levar ao mundo a palavra da Verdade, sem a qual não pode haver para a humanidade nem alegria nem esperança. Que o Bom Pastor envie operários para a messe, pois onde há sacerdotes há eucaristia, onde a eucaristia é celebrada está presente a Igreja. E, pela presença da Igreja, resplandeça no mundo a face gloriosa do Cristo ressuscitado. Amém.
Dom Pedro Luiz Stringhini
Mogi das Cruzes, 04 de agosto de 2017