Mês da Bíblia: Bíblia Roteiro de Vida
A Palavra de Deus permeia a vida do cristão no âmbito pessoal, familiar, comunitário e social. Como reza o salmista: “tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118,105). A Sagrada Escritura (Antigo e Novo Testamento) oferece base sólida para a teologia, a doutrina e as orientações do magistério da Igreja. Da Bíblia emana também orientação moral e ética que norteia a prática do mandamento maior e principal de Jesus Cristo: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12).
A Escritura inspira e orienta a vida da Igreja, a começar pelas práticas de piedade popular. A devoção a Nossa Senhora, as demais devoções e expressões de religiosidade têm seu pano de fundo nas verdades da Sagrada Escritura. Exemplo disso são os vinte mistérios da vida de Cristo e de Maria contemplados na recitação do santo rosário. Fonte perene de sabedoria e de conhecimento, a Palavra está presente na liturgia, catequese, grupos de reflexão, círculos bíblicos, cursos de teologia das paróquias e dioceses. E também nas Faculdades de Teologia que aprofundam a exegese (explicação) e a hermenêutica (interpretação) da Bíblia. Toda a ação pastoral, litúrgica, evangelizadora e missionária da Igreja bebe da fonte inesgotável, cuja água cristalina são os livros da Bíblia.
O Concílio Vaticano II ressalta a solidez dos ensinamentos da Bíblia ao promulgar, em 1965, a Constituição Dogmática Dei Verbum (A Palavra de Deus), que trata de temas fundamentais da Escritura: a revelação divina e sua transmissão, a inspiração e interpretação. Deus se revela por palavras e atos na história da humanidade, de modo que, à luz da escritura, a história humana passa a ser acolhida, na fé, como História da Salvação. O Antigo Testamento prepara a vinda de Cristo e atesta a pedagogia divina, que educa e conduz o povo por etapas que se sucedem e se superam (DV 15). Há uma unidade indissociável entre o Antigo e o Novo Testamento (DV 16), fazendo com que eles se iluminem reciprocamente.
O livro do Êxodo, por exemplo, tornou-se paradigma do agir de Deus na História humana, libertando seu povo da escravidão. Os profetas proclamam de forma contundente que Deus, em sua bondade, misericórdia, compaixão e amor, vem em defesa dos pobres, que são os órfãos, viúvas, estrangeiros, pequenos, humildes e fracos. Revela-se como o Deus que estabelece a justiça e o direito em toda a terra. Jesus Cristo revela que Deus é Pai, anuncia a vinda do Reino de Deus a partir de sinais concretos, isto é, os milagres que realiza. O ensinamento, a prática e a mística dos profetas e de Jesus fundamentam a opção da Igreja pelos pobres.
A Palavra de Deus é fonte de unidade entre diferentes Igrejas e Religiões, as quais, iluminadas por essa sabedoria universal, se congregam e dialogam a partir de causas e utopias que as unem, muito mais que de doutrinas que as diferenciam. O que une são os ideais de justiça, paz e fraternidade entre os povos. Eis, portanto, a Bíblia como instrumento favorável e útil em favor do diálogo ecumênico e inter-religioso.
O centro da Sagrada Escritura é a pessoa de Jesus Cristo seu evangelho. Em sua encarnação, morte e ressurreição, a pessoa humana encontra o sentido da vida e a resposta aos anseios mais profundos da existência. Em Cristo, a história humana transforma relações de dominação e opressão em experiências históricas de libertação, de superação da violência e defesa da vida, “pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres” (Cl 1,19-20).
Reconhecendo a centralidade da Palavra de Deus na Bíblia, a Igreja católica instituiu, há 45 anos (1971), o mês da Bíblia. A escolha do mês de setembro está associada a São Jerônimo, estudioso e tradutor da Bíblia, cuja memória é celebrada em 30 de setembro. O mês da Bíblia reflete, cada ano, um dos setenta e três livros da Sagrada Escritura.
O livro escolhido para o ano de 2017 foi a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, o mais antigo escrito do Novo Testamento, cuja redação é datada entre os anos 50 e 51 da era cristã, possivelmente estando Paulo em Corinto. A cidade de Tessalônica foi fundada no ano 315 antes de Cristo, no território situado ao norte da Grécia. No ambiente dessa metrópole portuária bastante desenvolvida é que Paulo fundou a comunidade cristã por volta de 49 e 50 dC, durante sua segunda viagem missionária.
O tema de 2017 “Para que n’Ele nossos povos tenham vida” se inspira no Documento de Aparecida (2007) e remete à identidade do cristão como discípulo-missionário de Jesus Cristo. O lema escolhido é “Anunciar o Evangelho e doar a própria vida (cf. 1Ts 2,8). Aos tessalonicenses, Paulo instrui acerca de temas fundamentais da fé cristã, considerando as tribulações da vida presente e as esperanças da vida futura (escatologia). Exorta os cristãos perseverarem na fé operosa, na caridade laboriosa e na esperança constante no Senhor (1,3).
“A Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12), visto que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, refutar, corrigir e educar na justiça, a fim de que os filhos de Deus sejam perfeitos, qualificados para toda boa obra” (2Tm 3,14-16). Trata-se, de fato, de um roteiro de vida. Um caminho que se percorre seguindo os quatro passos da leitura orante da Palavra de Deus (lectio divina): leitura, meditação, oração e contemplação.
Dom Pedro Luiz Stringhini
Mogi das Cruzes, 20 de junho de 2017